CAPÍTULO 1

Isaac entra em seu apartamento apontando seu relógio para a maçaneta. A porta destranca-se. Ao entrar, pega o controle remoto que está sobre a mesa alta à direita da porta. Encosta com o dedo indicador no visor touchscreen do controle e escolhe “iniciar”. Um grande monitor no centro da sala de estar se acende e inicia-se a música “all of you”, com Duke Ellington e Ella Fitzgerald. Acha a música muito romântica e demasiadamente lenta para quem acaba de chegar do trabalho e pula-a. Entra então “Rock around the clock”, de Bill Haley and the Comets. Sua fisionomia muda completamente e sente que agora encontrou a música adequada. O monitor encerra sua inicialização, colocando no canto superior direito a data “18 de abril de 1955 15:45”, vários links aparecem ao redor da tela e, ao fundo, um canal de TV passa o desenho do “Pica-pau”. Seu celular começa a tocar, e, simultaneamente, surge no monitor uma chamada, com a foto de seu amigo Ronald, seu IP 4001:0db8:85a3:08d3:1319:8a2e:0370:7344 e sua localização. Comemora consigo mesmo: “Ainda bem que não tenho que decorar este número como antigamente”. O som da música reduz automaticamente e Issac toca no botão “atender” do controle remoto. Ronald convida-o para assistir ao filme “Vidas Amargas”, com um tal de James Dean, que tem sido bem comentado nas rodas da faculdade de Direito. Isaac declina ao convite, argumentando que não pode faltar à aula de segunda-feira, “Patologia Médica Molecular”, a disciplina mais instigante da faculdade de Medicina, segundo ele. “Porque não vamos na quinta-feira, no feriado de 21 de abril?”, observa Isaac. Ronald concorda e fica acertado para tal. Issac tira a camisa e senta no sofá em forma de concha bem em frente ao monitor. Começa, então, a alternar os canais até posicionar em um canal de notícias. Abre o link de músicas, no canto inferior esquerdo do monitor, e tecla “pausar”, bem sobre o título da música, que ainda carregava o subtítulo “o rock and roll do ano”. Clica neste outro link e abre-se a explicação para o subtítulo: “Bill Haley and the Comets participam do programa “The Ed Sullivan Show”, da TV norte-americana, e relançam “Rock around the clock”, catapultando a música ao posto de “rock and roll do ano”. Apesar da censura e dos protestos de políticos e religiosos ao filme “Sementes da violência”, do qual a música faz parte da abertura, o single estourou no mundo inteiro e já é um dos mais vendidos de toda a história.” Isaac reflete sobre a sinopse e extrai as palavras-chaves da sua conclusão: censura, protesto, política, religião e violência. Política e religião geram censura, que gera protesto, que gera violência, que gera política e religião. O símbolo da reciclagem é bem adequado. Isaac toca a opção “voltar” e finaliza o pensamento filosófico. Um outro link, com o título de “A morte do Presidente Artur Bernardes”, parece menos atraente. No que fala dos “7 anos da proclamação de independência de Israel”, logo sua simpatia com o judaísmo é aguçada e, não teme em escolher rapidamente este link: “Maior imigração de judeus marroquinos para Israel desde o início da guerra árabe-israelense está acontecendo neste ano”. “ONU condena ataques contra tropas egípcias pelo exército israelita na Faixa de Gaza”. “ONU condena ataque de Israel à Siria”. Isaac entristece ao observar a tendência, ou até mesmo o talento, do mundo ao maniqueísmo. O bem e o mal mantêm rígidos pilares ao mesmo tempo que, por força da hiprocrisia, trocam de posições. A hiprocrisia gera o maniqueísmo. O maniqueísmo gera a hiprocrisia. Mais uma vez o símbolo da reciclagem é bem adequado. Mani, tal como Jesus, morreu crucificado. Outro link imediatamente. “Jogos Pan-americanos na Cidade do México”. Não. “Presidente Café Filho não apóia Juscelino Kubitscheck à Presidência da República”. Também não. No monitor já mostrava 16:05 quando surge inesperadamente a notícia declamada pelo repórter: “Acaba de falecer em Princeton, Nova Jersey, Estados Unidos, o físico alemão Albert Einstein, 76 anos, de aneurisma cerebral.” Isaac fica consternado com a notícia ao mesmo tempo que centenas de links aparecem ao redor do monitor sobre o Prêmio Nobel da Física. Lembrou-se de suas afinidades com o físico, sobretudo do seu nascimento: 21 de março de 1925, mesmo dia em que Einstein esteve visitando o Rio de Janeiro. A sua primeira faculdade, de Física, inspirada no judeu. A empatia nutrida por ele, bem fundamentada em outro alemão, o filósofo Theodor Lipps. Uma ligação telefônica surge no monitor, cancelada imediatamente. Isaac quer apenas saber tudo sobre este fatídico acontecimento e começa a navegar entre os links, repassando em sua memória fatos marcantes de sua vida, inclusive seu nome, dado pela sua mãe, provavelmente em protesto à visita do atômico Albert, como tentativa de se reconciliar com Deus. Isaac já havia encontrado o significado para o seu nome: sorridente. Bem adequado. Quando jovem acreditava que seu nome era uma homenagem a Isaac Newton, outro físico, inglês, mas seu pai, há alguns anos, ofuscou o brilho que havia no seu nome quando confidenciou que a homenagem era a outro Isaac, o bíblico. Esta confidência levou Isaac a uma viagem para Londres, em 51. Isaac teve a oportunidade de fazer um pedido de desculpas no túmulo de Isaac Newton, na abadia de Westminster. Desculpas por tanto ter divulgado uma falsa verdade. Depois disso, caminhou taciturno em direção a Regent Street. Subiu até a “All Souls Church”, recém-reconstruída. Ali sentou e se pôs a pensar. Isaac admirava a arquitetura de John Nash. Deus, numa tentativa de testar a fé de Abraão, pai de Isaac, ordena a Abraão que leve Isaac até o alto de uma colina para sacrificá-lo. Assim que Abraão vai com a faca para degolar seu filho, Deus envia um anjo para segurar em sua mão e impedir o ato. Issac pensa: “Deus sempre brincando com coisa séria.” Sua visão enturveceu. Outros fatos relevantes contínuos à história de Abraão sobreporam-se. Em mesmo local onde Abraão “quase” comete o homicídio solicitado por Deus, Maomé subiu aos céus, na cúpula da rocha sagrada. E os dois fatos acontecem dentro do perímetro do Templo de Salomão, local venerado pelos judeus. Por que Deus complicou tanto? – suspira Isaac. Uma viagem a Jerusalém seria interessante para tentar entender este imbróglio Abraão-Jesus-Maomé. Sua concentração é retomada e escolhe o primeiro link sobre a morte de Albert Einstein: “Albert Einstein e a Teoria da Relatividade”. Sua faculdade de Física abordou intensamente este assunto. Lembrou das aulas onde discutia-se por horas a relação Einstein-Newton. Um outro link chamou mais a sua atenção: “A participação de Einstein na delegação sionista à Palestina, em 1921.” Isaac acha este fato bastante discutível. Querer reverter a diáspora judaica, 1991 anos depois é, no mínimo, romântico. Tanto que, 34 anos depois, não obteve êxito. As teorias de Einstein impactaram tanto quanto a publicação da tradução de George Smith para a Epopéia de Gilgamesh, em 1872. A partir daí, toda e qualquer história contida na bíblia deverá ser revista. O dilúvio protagonizado por Noé já estava lá, séculos antes, no mais antigo texto documentado pelo homem carnal. Isaac reflete muito.

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